sábado, 23 de outubro de 2010

Os espinhos e as asperezas

Por Samuel de Jesus

Os espinhos estão à mostra exigindo grandes sutilezas tal como para as asperezas a necessária polidez.
Gesto brusco, o espinho e a súbita dor, assim como tácteis certezas. Antes, a insana vontade e o delírio, libertinos alados a voar pela madrugada em busca das almas fáceis e trânsfugas. Agora, anjos de asas cortadas de nervos contraídos e atentos com razão e obsolescência, suas linguas estão polidas e são novas as suas certezas.

Os poderes inquisitórios

     Por Samuel de Jesus

      Os poderes inquisitórios estão aí, com as facas postas sobre a mesa, pretendendo fechar a boca venérea, tal como se fecha a caixa de pandora. E o que sai desta boca? Respondo, palavras como espelhos que refletem suas luzes para todos os cantos a corromper antigos dogmas e as velhas certezas.
     Sim. Estes senhores estão sob o manto da comiseração e queimarão a carne dos heréticos para sua decantação. Eles não aceitam a verborragia do anti-erudito, escarnecem os grotões, pois suas viúvas choram desabrida e desavergonhadamente. Elas ainda inconformadas blasfemam e se perguntam;   -  Como ousaram tirá-los do trono em que estavam tão hereditariamente, tão democraticamente? Elas do alto clero, dos varões assinalados, dos seres iluminados, dos eleitos de Deus? 

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Os estranhos e o caráter

Por Samuel de Jesus  

     O lado estranho de sí mesmo, o oculto que nos move aos erros, ao precipício. As coisas morrem, como os sonhos compartilhados em desencanto gritando, chorando, debatendo-se inconformados. A egonavalha corta a carne a fundo, podemos ver os ossos. O caráter reto dos sonhos em quilos espalharam-se no vendaval como papéis picados.  Emerge das profundezas a verdade fatal envolta em luzes, inevitavel, contudente, colocando em xeque antigas certezas.  

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O Homem Peninsular

   Por Samuel de Jesus
 
     Eis aqui o homem peninsular!! De frente para o mar, no ponto mais setentrional de seu país, Portugal ou Espanha; Itálias ou Índias das lucrativas especiarias. O homem continente de cabeça expansiva e não homem ilha de águas cercadas por toda parte, cabeça monolito.
    O homem peninsular, navegador e seus monstros, precipicios do fim do mundo ou o labirinto com o minotauro e sua linha que tece a coragem, as aventuras, as incertezas do caminho como a única coisa certa como a seta que atinge, não o alvo, mas o ponto inesperado.
     O homem sacrossanto se torna profano, desmente as verdades, tão verdadeiras! O homem diminuto frente a imensidão, mas pretensioso visionário revolucionário que pensou o que poucos ousaram e foi onde poucos imaginaram. Esse é o homem peninsular feito de terra e mar. 
   

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Caia na Gandaia !

     Rômulo saiu de casa naquela manhã de helicoptero, assim quebrando o congestionamento. Ele era mais um servo da Maracutaia Nacional S.A. Transitava entre os corredores sordidos dentro das salas e dos gabinetes que poderiam contar com uma a câmera escondida ou um gravador de voz. Era calvo, mas às vezes usava peruca, usava-a quando era dia de propina. Na cueca até poderia ter revista, mas na peruca?
     Tadeu, seu chefe o alertou:
     - Cuidado com a imprensa, pois querem a todo custo queimá-lo para benecifiar politicamente o       fernandinhoda oposição, pois são as suas viuvas.
     -E as Caimãs?
     -Eu sei, mas as coisas não funcionam dessa forma.
     -Essa imprensa!! Age como a Santa Madre Igreja na Idade Média, protege os seus aliados e queima os opositores.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Os Princípios Tortos

Por Samuel de Jesus

Os anjos que se movem por princípios tortos estão aí, fazendo suas tempestades em copo d'agua com instrumentais dos mais ordinários possíveis e impossíveis. Qual o desejo que lhes fazem subir as paredes? Qual o alimento que precisam? E, eu que tenho a maior de todas as ambições, viver, preciso apenas do Mare Nostrum Tranquilis do copo d'agua em calmaria para manter vivo o desejo pela vida.

Claras Evidências

Por Samuel de Jesus

Claras evidências de  um sonho louco e eu antes ali perdido, sem o sentido das coisas e estava tudo tão evidente, e, eu ali desperdiçando a verdade com quem não encontrou a sua, zumbis vespertinos vagam pelo dia e eu ali jazendo seus corpos, sem saber a profundidade de tudo aquilo, profanando o sagrado como um ser maldito e eu que era santo tornei-me um anjo caído. O delírio se desfez em meio a verdade, este grande antídoto e tudo voltará ao seu lugar para os dias de paz que merecíamos, mas que nunca tínhamos recebido, apenas desfrutavámos de seus vestígios, de suas porções pequenas e fragmentadas. Às vezes, é preciso o corte na carne para que os sentidos das coisas brotem, entendendo que tudo se desenha ao nosso contragosto. É preciso humildade para o aprendizado, sobretudo entendendo que as coisas são como são e que ninguém está fora do seu lugar.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Caliandras

Por Samuel de Jesus

O arco iris em que todas as cores se congregam no multiplo espelho em que nos refletimos, assim como os rejeitos dos roxos sacos de supermercado de espectro azulado conservadores e eretos. As sombras pairam e a alegria some; o rotundo está a mostra, é o olho que condena à homogeneização, o mais daquele mesmo que estamos cansados, os sons que deveriam ser ouvidos e compreendidos, a dupla face que não queremos compreender e nem aceitar, as imposições que fazemos ao corpo alheio querendo que ele faça o que fazemos, é a ditadura, invariavelmente de uma forma ou outra.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Reentrâncias

Por Samuel de Jesus

Para seguir é preciso voltar para o ponto de origem. Esse ponto tão maldito e malquisto permite um balanço das coisas, assim pensamos sobre a nossa falta de retidão, as nossas sinuosidades, a vida que não é retilínea e uniforme. No ponto de origem, nesse ponto, decidiremos se voltamos pelo mesmo lado que partimos, ou vice e versa. Certo é que ao completarmos o círculo, a única possibilidade possivel é desatar ou reentrar-se. Ao reentrarmos recomeçamos com mais paciência e com sentidos novos. Nossa soberba já não é tão grande, nem o nosso orgulho é tão varonil, mas as pedras do caminho que machucaram a sola de nossos pés, pois andávamos descalços, ensinaram coisas sobre a humanidade.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A Festa Atômica

Por Samuel de Jesus

Eis que não terminou o atomicismo, pois no Irão, Paquistão ata o artefato extremo que algumas dezenas de vezes poderia...você sabe o quê. E quando acenderem esses rojões? A festa pode não ser junina, mas vai acabar nuclearmente, só as baratas sobreviverão, logo as desprezíveis baratas!! Aquelas que pisamos ou jogamos o inseticida.

Qual será a diferença entre o Urânio, o neurônio e o geranio? O homem tão perto de Deus, mas tão perto das profundezas. É só uma decisão, um botão, um apertão e, é o Desfile das Escolas de Samba que entrarão na avenida de uma só vez, assim mesmo!! Sem harmonia, sem evolução, uma confusão. É o samba enredo do Armagedom e os Anjos do Apocalipse com suas trombetas nem aparecerão.

O homem editado

Por Samuel de Jesus

O homem é na maioria das vezes editado. Vive-se a vida, erra, comete pecados, faz muita coisa boa, mas coisas ruins também. Cuida da vida dos outros, mente, traí, inveja, mas também ama, ajuda, tem compaixão e benfazeja. Quando o homem morre, por piedade, e também pelo fato de ninguém querer tripudiar em cima de um morto, todos acabam editando sua vida dizendo como era um mar de perfeições.

O homem tenta, ao longo de sua vida, passar uma boa imagem de si. Em vida ele se edita, assim como é feito nos filmes. No filme da sua vida corta as partes em que são mostrados seus erros e suas fraquezas como se isso fosse algo inapropriado, mas é exatamente nos seus erros que poderia ser enxergado, mas não totalmente, pois as coisas excelentes que fizera mostram também muito do seu caráter.

O homem não foi magnífico por inteiro, não conseguiria esse feito. O homem deve assumir suas fraquezas, seus momentos de dúvidas e incertezas, mas por outro lado, como fazer isso se as cabeças dos fracos são cortadas.

Que fique claro. Muitos usam isso como uma santa desculpa, quando ninguém está vendo erra sem peso na consciência e sabe que está errando, negligencia. Considera-se divino, mas quando seu erro torna-se indisfarçável e não pode editar as coisas, recorre ao velho chavão: ERRAR É HUMANO. Ou então faz como o deputado que assinou o cheque incriminador e esse cheque foi parar nas mãos da CPI. Era a prova cabal de seu envolvimento. Inquirido na CPI, disse que a assinatura era sua, mas o cheque ele não sabia de quem era não.

Somando e multiplicando

Por Samuel de Jesus

Naquele dia a sala de aula estava como sempre, repleta de alunos Era uma escola de uma pequena cidade do interior. O que nos faz pensar que seriam aulas tranqüilas. Mas as professoras, muitas vezes, saíam da sala de aula chorando. A situação era caótica. Os alunos as provocavam muito e as impediam de dar aulas. Eles conversavam em voz alta, brigavam entre sí, escondiam o lápis ou caderno de outro aluno, muitos saíam de seus lugares para formar rodinhas de conversa em plena aula, quando não dançavam hip-hop no fundo da sala sem a autorização.

O professor V. Era uma pessoa tranqüila. Contou-me que gostaria de fazer mestrado, mas que o momento ideal tinha passado. Logo após a formatura casou-se, em seguida vieram os filhos e com o tempo perdeu o pique.

A aluna R. tinha seus dez ou onze anos, era negra e nem todos os seus cabelos eram longos o suficiente para que os amarrassem, por isso parte deles ficava para fora do prendedor de cabelos (também chamada de XUXINHA). Sua camisetinha era surrada e tinha furos pequeninos, não calçava tênis, apenas chinelinhos. Naquela tarde estava conversando com as amigas durante a aula do professor V., conversava muito! Era como se ele não estivesse ali, diante dela, falando sobre o mundo da Geografia.

Incomodado, o professor V pediu para que as alunas R. e S. ficassem em silêncio e prestassem atenção na aula. A aluna S. Compreendeu e ficou quieta, mas R. riu, não se importou e depois de alguns minutos saiu do lugar para procurar conversa em outro canto. Ignorado, o professor V. Fez o pedido novamente e novamente não foi atendido. Irritado, não pediria uma terceira vez. Aproximou-se da aluna R. e visivelmente alterado, berrou:



- Fique quieta !



A aluna R. começou a inventar. Começou a chorar e pediu:



- Não me bate, não me bate.



Logo em seguida, saiu em disparada da sala de aula, foi procurar a irmã que estudava em outra série, na sala ao lado. Entrou sem avisar, olhou para irmã e disse:



- Irmã !! O professor me bateu.



E o que a irmã fez? Saiu rapidamente da escola pela porta da frente, sem pedir permissão. Havia uma porta entre a secretaria e as salas de aula que dava acesso à rua e que se encontrava sempre aberta. Esta porta tinha um defeito que a impedia de ficar trancada.

Nesse meio tempo, a aluna R esfrega o seu braço contra a parede para caracterizar o dolo. Quinze minutos depois a irmã volta à escola acompanhada de pai, mãe e irmãos. Entram pela mesma porta que ela havia saído e vão até a sala onde estava o professor V. tirar satisfação, tentam agredi-lo, mas não conseguem, pois ele é socorrido imediatamente pelo professor O. e pela professora H.

Meia hora de conversa foi o suficiente para esclarecer que a aluna não fora agredida. Ela mesma, no final, admitiu que nada aconteceu. Nenhum membro da direção estava presente e posteriormente alegaram que se encontravam fora da escola a serviço da Delegacia de Ensino. O professor V. não fez Boletim de Ocorrência. Resolveu deixar para lá.

O conjunto dos professores já discutiam, há semanas, o problema da conversa e desatenção em sala de aula. Esse acontecimento seria o ponto culminante. Era preciso fazer algo. O debate na sala dos professores, durante os intervalos, estava acesso. Um professor disse:



- É necessário uma reunião com os professores, funcionários e direção para discutirmos o problema e buscarmos uma solução.



A direção, constrangida por não estar presente no momento em que tudo aconteceu, retrucou:



- Vocês, acham que não estamos tomando providências?



Os professores argumentaram que não era isso e em hipótese alguma a direção estava sendo questionada, juntos teríamos mais força para resolver o problema da conversa e desatenção em sala de aula.

Aproximava-se o dia da reunião de pais. Esse seria o momento. Nesse dia a orientação da direção era a de que fosse feita apenas a distribuição dos boletins com as notas, nada de discussão dos problemas e os professores aceitaram.

Após a reunião foi preparado um grande almoço. O cardápio era bacalhau, pois estávamos na Semana Santa. Assim tudo terminou em bacalhau e ninguém mais tocou no assunto.

Os bestializados em transe

Por Samuel de Jesus

O atentado ao princípio da democracia é a alienação e ninguém quer que exista roubo em campo, só na vida. Começa pela própria selecinha do Macaco Simão sob a batuta do setor privex, a CBFaixa nobre funciona tão privada como a empresa de cerveja e refrigerante, mas a seleção é do Brasil ? Tal como um produto for export, os jogadores são as máquinas de fazer dinheiro, insensíveis ao resultado e os bestilizados urram e choram como nunca.

O grande circo do futebol se forma e de quatro em quatro anos estamos no céu ou no inferno, até os momentos decisivos estamos em transe, estamos consumindo e sendo consumidos. As nossas esperanças não estão no país, mas na Patria de Chuteiras. Já pensou se o Brasil disputasse um torneio cujo prêmio para o país vencedor fosse dois milhões de empregos? Sempre que o Brasil ganha um mundial dá um vazio. E agora que eu faço com a taça? Vou ao supermercado?

É só um jogo, então porque o transe? Se perguntassem ao cidadão se ele preferisse que o Brasil fosse um fiasco no futebol, mas campeão na honestidade, na saúde, na habitação, na alimentação e na distribuição da renda, o que responderia? Eu sinceramente tenho dúvidas, mas guardo comigo minhas hipóteses, talvez ele, o povo, respondesse que assim não teria graça, pois e a festa? E o barato da coisa? E o transe?





Salve Ulysses!

Por Samuel de Jesus

Salve o navegador que conduziu a embarcação! Ele foi o fiel da balança em um momento em que sua carne não podia ruir, sua mente não podia ceder, pelo menos não naquele momento em que estávamos passando por aquele estreito de águas perigosas e certeiras. Precisávamos de sua maestria, pelo menos até chegarmos ao mar. Ele pouco sorriu, estava maculado por Poseidon, mas incauto e intacto moralmente. Ao chegarmos no mar ele mergulhou e desapareceu definitivamente deixando-nos sozinhos para navegar diante da imensidão. Quando ele se foi as massas não choraram, nem mesmo se lembraram direito, mas seu legado foi deixado. Partiu, pois quem veio do mar ao mar tornará.











quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Quando Esperidião voltou ao mundo.

Por Samuel de Jesus

Esperidião estava em cima do telhado esperando o avião das dez passar lá, bem no alto. Ficava também tentado ver as estrelas, mas as luzes da cidade não permitiam. Desde que voltou ao mundo, depois de estar há muito na orbita terrestre, queria conhecer todas essas coisas. Esperidião não era astronauta, nem extraterrestre, apenas dormira por um longo tempo, um sono profundo e de pedra. Agora, com os sentidos recobrados queria voltar ao mundo, mas o mundo estava tão mudado! não tinha mais a estradinha de terra e as árvores? Onde foram parar ? Alguém respondeu: 

Está lá no Ibirapuera

Esses dias andou de automóvel, mas de avião ainda não. Dizia para o Armando:

- Como o homem pode criar tal criatura? O bicho homem é danado mesmo! Eu achava que o trem de ferro era mais rápido que o cavalo, mas esse negócio de voar?! Eu não podia imaginar!

E a televisão, então? No inicio achava que eram os homens que estavam lá dentro, como em um aquário, mas não podia ser, pois nunca vira alguém tão pequeno. Armando dissera que era digital e também não sabia explicar direito. Explicou lá, do seu jeito, toda aquela engenhoca.

Certo dia pegou seu jegue e estava em plena Avenida Paulista com o asno e quase foram atropelados. Os prédios pareciam que queriam encobri-lo e não dava nem para ver o sol. Como ficam em pé ? Quanta gente !

De repente, deu-lhe uma tontura. Parecia que estava em um labirinto de gente, gente, gente e não sabia para onde ir, para esquerda, para direita, para frente, para trás, tudo ligeirinho, velozinho, barulhão. Quando anoiteceu só encontrou abrigo na praça. O banco lhe serviu de cama dura na pernoite. Logo pela manhã foi perguntando aqui e ali até chegar Estação da Luz. Queria pegar o primeiro trem para Araraquara.

O AMIGO QUE PARTE (NOSSOS CORAÇÕES)

Por Samuel de Jesus

Àqueles que se foram quando a festa nem bem havia começado.

Um amigo parte tão cedo, quando a celebração havia começado, por um acontecimento improvável e surpreendente, deixa frustradas expectativas. Havia indícios de que a noite valeria à pena, mas com o anúncio apressado fomos nos despedir dele e dizer que gostaríamos que continuasse conosco, então ele disse que não seria mais possível ficar e pediu para que nos divertíssemos por ele.

Elementos rupestres da grande metrópole (São Paulo)

Por Samuel de Jesus


No final da madrugada podemos sentir os primeiros sinais de movimento, passadas, sonâmbulos cruzam as avenidas, lotam o metrô, os primeiros sinais do despertar da cidade, o relógio dita o ritmo, é, e preciso obedecê-lo. Contagem de minutos, seres mudos, despersonalização, a massa se movimenta por todos os lados, zumbis matutinos. De repente a greve dos metroviários interrompe o ciclo, caos. Reivindicam o direito à cidade, esperam dignidade que se toma com o aumento do pão e do corpo de cristo. Engarrafamento, arteriais entupidos como a pia, todos sacam seus carros, sem rodízio e sem razão, mas a cidade não morre, somos nós que morremos nela por falta de assistência, de fome e opulência, de humildade e arrogância, de indiferença e câncer, de stress e cardiopatia, de febre e cólera, de dengue e anemia de pouco em pouco cada dia.

Na longa marginal entre os carros corredores velozes motores disparam fugindo da posição lenta ou estática que aumentam a temperatura do stress e vontade de estar a quilômetros dali. Painéis e outdoors nos vendem o que dizem ser o melhor estilo, consumidores e lobotomia, mensagens subliminares e consumo, a babel. O rio exala seu odor de podridão que atinge o asfalto ocupante da vazante que o comprime. As velhas fábricas abandonadas nos oferecem imagens de outros tempos. A nova cidade ocupa todas as frestas sobrepondo-se ao passado que pede socorro e que jamais será ouvido, pois o progresso é implacável.

No céu a ave de metal brilha virando a direita ou a esquerda do espaço aéreo. Como ele se sustenta no ar? Quantas pessoas deverão estar resignadas a este latão alado cujas turbinas vociferam. No chão, arteriais de ferro que se estendem por todo o corpo da cidade e que levam um fluxo de gente ao coração dela. Mulheres e homens vendem o que tem e o que não tem: sonhos, casas, carros, CD´S piratas, segurança, esperança, fé, amizade, sonrisal, dramas, chinelos, carmas, cocaína, comprimidos, as correntes e as algemas, a cultura e a ignorância, armas, o veneno, gasolina e cólera, alegria, a paz, o incenso e a massagem, a dor e o alívio.

China, Japão, Portugal, Itália e África, Ásia e Oceania, mosaico: budistas, judeus, evangélicos, espíritas, islã e umbanda, no bairro da liberdade o Japão está aqui, assim como a Itália está no Brás, Bexiga e Barra Funda, a grande cidade acolhedora, o mundo está nela e ela no mundo como partes indissolúveis e complementares do universo. Artéria do mundo, organismo vivo, traços de inúmeras culturas, mistura fina, sintonia mundo, a face do mundo, a casa do norte, a casa do rock ritmo conturbado, o caos gera vida, o sangue jorra, sangue sugas, parasitas, lamina que corta carne profundamente, morre e renasce assustadoramente, veloz, atroz no mesmo dia, na mesma hora segue seu ciclo.

As razões de um escritor invisível.

Por Samuel de Jesus

O escritor na frente do seu instrumento de trabalho pensando no que escrever e se ele tivesse, nesse instante, terminado uma crônica para um jornal, isso indicaria que a inspiração para escrever tal texto viera no prazo. Coitado do escritor que semanalmente tem que ter inspiração! Deve ser como dar aulas, você é professor de literatura e suponhamos que ame a literatura, mas tem que ter a disposição para falar de José de Alencar às sete horas da manhã de um dia chuvoso quando nem você e nem os alunos estão afim. A inspiração não tem data, hora para chegar, nem para terminar, ela se sobrepõe a hora marcada que é o grande vilão da estória.

O escritor, assim como todos nós, é dependente de um público, rejeitaria de pronto a idéia de jamais ser lido, isso seria um fracasso! Assim como o artista, ele precisa do aplauso, todos precisam! Mas pensar é mais importante, pois você só se torna humano se tem consciência e, é tão difícil chegar à humanidade. A necessidade de platéia corrompe o artista e também o escritor, pois o envaidece, vicia-o. A solidão deve ser a companheira daqueles que pensam livremente. Se meus livros não virarem nem um Best seller que sirva, então, para que meus amigos se lembrem de mim, ao invés de verem as fotos, leiam os meus textos e me verão mais neles que nas fotos. Mesmo se os acharem ruins, leia-os também, pois eles mostram minhas imperfeições.

Ter o mínimo de consciência e lucidez me dará uma grande alegria e prazer na vida. É por isso que leio, observo, leio e escrevo, sou o homem buscando consciência e travando uma luta contra tudo que tenta impedi-lo disso, o prazo, a hora marcada, sucesso e o fracasso.

QUANDO A IDÉIA VOA



Não cobrarei o direito autoral de minhas ideais, pois quem disse que as minhas idéias me pertencem, muitos ofereceram generosamente o resultado de sua solidão, angústia, medo privação no afã de compartilhar tudo isso para que vivêssemos e sentíssemos tudo aquilo. Seria a grande sacanagem apreendê-las, depositá-las em uma garrafinha e colocar uma tampinha para que não escapem. As idéias são moças livres que percorrem todos os espaços e escrevo querendo encontrar urgentemente alguém para refleti-las como as luzes em uma superfície branca.

Se alguém tomar aquilo que escrevo e apresentar como seu, claro que não vou gostar! Mas de qualquer modo terá, a idéia, cumprido sua missão, pois não se copia o que não é bom. Quanto ao farsante, uma hora a máscara cairá, os farsantes não são comediantes, assim perderão a sua graça. Quanto a minha fonte, ela é inesgotável e só ruirá quando deixar de viver. Alguns morrem atirando, mas eu morrerei escrevendo.

Samuel de Jesus