Por Samuel de Jesus
Naquele dia a sala de aula estava como sempre, repleta de alunos Era uma escola de uma pequena cidade do interior. O que nos faz pensar que seriam aulas tranqüilas. Mas as professoras, muitas vezes, saíam da sala de aula chorando. A situação era caótica. Os alunos as provocavam muito e as impediam de dar aulas. Eles conversavam em voz alta, brigavam entre sí, escondiam o lápis ou caderno de outro aluno, muitos saíam de seus lugares para formar rodinhas de conversa em plena aula, quando não dançavam hip-hop no fundo da sala sem a autorização.
O professor V. Era uma pessoa tranqüila. Contou-me que gostaria de fazer mestrado, mas que o momento ideal tinha passado. Logo após a formatura casou-se, em seguida vieram os filhos e com o tempo perdeu o pique.
A aluna R. tinha seus dez ou onze anos, era negra e nem todos os seus cabelos eram longos o suficiente para que os amarrassem, por isso parte deles ficava para fora do prendedor de cabelos (também chamada de XUXINHA). Sua camisetinha era surrada e tinha furos pequeninos, não calçava tênis, apenas chinelinhos. Naquela tarde estava conversando com as amigas durante a aula do professor V., conversava muito! Era como se ele não estivesse ali, diante dela, falando sobre o mundo da Geografia.
Incomodado, o professor V pediu para que as alunas R. e S. ficassem em silêncio e prestassem atenção na aula. A aluna S. Compreendeu e ficou quieta, mas R. riu, não se importou e depois de alguns minutos saiu do lugar para procurar conversa em outro canto. Ignorado, o professor V. Fez o pedido novamente e novamente não foi atendido. Irritado, não pediria uma terceira vez. Aproximou-se da aluna R. e visivelmente alterado, berrou:
- Fique quieta !
A aluna R. começou a inventar. Começou a chorar e pediu:
- Não me bate, não me bate.
Logo em seguida, saiu em disparada da sala de aula, foi procurar a irmã que estudava em outra série, na sala ao lado. Entrou sem avisar, olhou para irmã e disse:
- Irmã !! O professor me bateu.
E o que a irmã fez? Saiu rapidamente da escola pela porta da frente, sem pedir permissão. Havia uma porta entre a secretaria e as salas de aula que dava acesso à rua e que se encontrava sempre aberta. Esta porta tinha um defeito que a impedia de ficar trancada.
Nesse meio tempo, a aluna R esfrega o seu braço contra a parede para caracterizar o dolo. Quinze minutos depois a irmã volta à escola acompanhada de pai, mãe e irmãos. Entram pela mesma porta que ela havia saído e vão até a sala onde estava o professor V. tirar satisfação, tentam agredi-lo, mas não conseguem, pois ele é socorrido imediatamente pelo professor O. e pela professora H.
Meia hora de conversa foi o suficiente para esclarecer que a aluna não fora agredida. Ela mesma, no final, admitiu que nada aconteceu. Nenhum membro da direção estava presente e posteriormente alegaram que se encontravam fora da escola a serviço da Delegacia de Ensino. O professor V. não fez Boletim de Ocorrência. Resolveu deixar para lá.
O conjunto dos professores já discutiam, há semanas, o problema da conversa e desatenção em sala de aula. Esse acontecimento seria o ponto culminante. Era preciso fazer algo. O debate na sala dos professores, durante os intervalos, estava acesso. Um professor disse:
- É necessário uma reunião com os professores, funcionários e direção para discutirmos o problema e buscarmos uma solução.
A direção, constrangida por não estar presente no momento em que tudo aconteceu, retrucou:
- Vocês, acham que não estamos tomando providências?
Os professores argumentaram que não era isso e em hipótese alguma a direção estava sendo questionada, juntos teríamos mais força para resolver o problema da conversa e desatenção em sala de aula.
Aproximava-se o dia da reunião de pais. Esse seria o momento. Nesse dia a orientação da direção era a de que fosse feita apenas a distribuição dos boletins com as notas, nada de discussão dos problemas e os professores aceitaram.
Após a reunião foi preparado um grande almoço. O cardápio era bacalhau, pois estávamos na Semana Santa. Assim tudo terminou em bacalhau e ninguém mais tocou no assunto.